segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Aromas e Matizes da Vida.




 Quarenta e tantos anos de idade. Ela vivia só, na monocórdia companhia de sua gata e uma perspectiva de vida que olha mais para o passado do que para o futuro.
Solidão, príncipes que se revelaram sapos de coaxar desafinado, família ausente, vizinhos fuxiqueiros e colegas de trabalho puxadores de tapete. Vivia com a sensação de que a vida lhe havia escapado por entre os dedos.
Hábitos rígidos: casa sempre arrumada, janelas fechadas, gata que saía à noite e voltava de dia, diversos relógios pela casa, todos com a hora precisamente ajustada até os segundos. Sua alma também era rígida, na angústia, desesperança, rabugice que alvorecia e um mau humor persistente.
A vida dela se resumia a ir trabalhar e o prazer da companhia de sua gata.
Naquele dia, a gata não havia retornado para casa ao amanhecer. Ouviu, pela janela, o comentário de vizinhas que viviam bem informadas que um gato havia sido atropelado na sua rua, um pouco mais acima de onde ela morava. Coração disparou, suou frio nas mãos e retornou a velha sensação de que iria morrer ali, sozinha, sem, ao menos, a companhia da gata. Reviveu a sua vida em instantes e nada de regozijável lhe veio à mente. Não tinha tempo para luto felino ou autocomiseração. Vestiu-se, tomou café, mecanicamente, e rumou para o trabalho. Não caminhou muito e sentiu as pernas fracas, tontura. Achou que não passaria dali e teria que ser levada por populares para o hospital, ou para o cemitério.
De longe, avistou a sua gata que estava do outro lado da rua, ela a fitava insistentemente. Com dificuldade, atravessou a rua para pegá-la, ela fugiu e entrou em uma loja de aromas exóticos e cores estranhas. Dentro daquela loja, que oferecia solução para os seus problemas, ela percebeu que, sozinha, jamais sairia da armadilha de vida que ela armou para si, nem que fosse uma gata para lhe mostrar que, na vida, há outros aromas e matizes que não apenas aqueles que permitimos entrarem pelos nossos sentidos.
O sentido da vida é, por vezes, não ter sentido nenhum ou o sentido é procurar o sentido a vida toda.

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